quinta-feira, 8 de maio de 2008

Ciclo

Acordas, esticas um risco de auto-estima e sais de casa, imbuída de confiança, até porque ontem compraste uma camisola genial que te assenta que nem uma luva. Chega o entardecer e aquele risco matinal já se foi há tanto tempo, procuras um bar para rir e trocar promessas falsas de amor, empatia e amizade. Intercalas as mentiras com olhares vazios. Quando cambaleias para casa no teu coma induzido e olhas para o braço que se enrola à volta do teu pescoço apercebes-te que nem sabes o nome dele. Não interessa. Ele é uma pila com pernas, uma dose de conforto físico em forma de ser humano. É o que tu achas uma desculpa perfeita. "Eu preciso de calor", disseste-me tu uma vez, "Não me parece que seja isso" respondi. Viraste costas e desapareceste na sombra de um desconhecido. Enquanto eles te fodem ainda pensas em mim, contas as rachas na parede, a penetração enche-te as entranhas e as paredes estalam mais um pouco, essas linhas que as percorrem ficam ainda mais secas, mais fundas. Levas-te ao limite da consciência, estás dormente, já não há dor que te acorde. Adormeces e os sonhos passam por ti como comboios barulhentos, carregados de vidas que não são tuas. Despertas suada e atormentada, sacodes a cabeça automaticamente, ele não está lá, suspiras de alívio. O sol já se levantou, agora só faltas tu. O risco está lá para ser esticado, não pensas duas vezes, é só mais um dia.